Pais Filhos
Redes sociais: as famílias que perderam filhos por suicídio e overdose e agora processam plataformas
2024-04-04

Crédito, Cortesia de Kristina Cahak

  • Author, Alessandra Corrêa
  • Role, De Washington para a BBC News Brasil
  • 4 abril 2024

A adolescente americana Morgan Pieper estava prestes a completar 12 anos de idade quando começou a usar redes sociais.

“Ela tinha uma conta no Facebook. Acho que, no início, seu uso era bem limitado”, diz sua mãe, Kristina Cahak, à BBC News Brasil.

Ao longo dos três anos seguintes, porém, Kristina conta que a filha ficou cada vez mais “viciada”, abrindo múltiplas contas em redes como Instagram e Snapchat usando nomes falsos, sem que a família soubesse.

“Afetava seu sono. Às vezes, eu acordava às 3h da manhã e via luz em seu quarto”, lembra Kristina, que começou a perceber que a filha andava melancólica.

Quando, por volta dos 13 anos de idade, Morgan passou a se automutilar com cortes na pele, Kristina levou a filha a um psicólogo, que disse que aquilo seria apenas uma fase. “E realmente melhorou, ela parou”, afirma.

No entanto, Morgan continuava vendo e postando material sobre depressão, automutilação e suicídio em várias contas abertas com identidades falsas que Kristina sequer desconfiava que existiam.

A família só descobriu essa vida digital paralela de Morgan quando ela se suicidou, em 2015, aos 15 anos de idade.

Morgan era a mais nova de três irmãos. “Ela era o meu bebê”, diz sua mãe.

“Era muito inteligente, sensível, engraçada, carismática. Um dos seres humanos mais incríveis que já conheci.”

Kristina suspeitava que a filha pudesse estar deprimida, mas nunca imaginou que tivesse pensamentos suicidas.

“Sou enfermeira há quase 30 anos, trabalhei com saúde mental. Essa é a ironia da minha história, eu não vi os sinais enquanto ela ainda estava conosco”, diz.

Kristina é uma das centenas de mães e pais dos Estados Unidos que estão processando empresas donas de redes sociais por supostos “danos físicos, mentais ou emocionais” sofridos por crianças e adolescentes ao usar essas plataformas.

Ela move uma ação contra a Meta, proprietária do Facebook e do Instagram, e a Snap, dona do Snapchat.

Processos de outras famílias também têm como alvo o Google, que administra o YouTube, e a ByteDance, que cuida do TikTok.

As ações alegam que a “crise de saúde mental sem precedentes entre as crianças” é alimentada pelos produtos “defeituosos”, “viciantes” e “perigosos” dessas empresas.

O objetivo é que as empresas suspendam práticas apontadas como prejudiciais e, em muitos casos, envolvem pedidos de indenizações.

As empresas rejeitam as alegações e afirmam que estão constantemente implementando e atualizando ferramentas e recursos para proteger crianças e adolescentes em suas plataformas.

Mas os autores das ações dizem que as medidas são insuficientes e mal fiscalizadas.

Há uma grande preocupação com o tema no país, diante de altas taxas de ansiedade e depressão entre jovens.

No ano passado, o porta-voz do governo para saúde pública alertou que embora as redes possam ter benefícios, também podem representar riscos à saúde mental dos jovens.

As pesquisas não oferecem evidências conclusivas, e a própria Associação Americana de Psicologia afirma que “o uso de redes sociais não é inerentemente benéfico ou prejudicial para os jovens”.

De acordo com a associação, são necessários mais estudos sobre efeitos positivos e negativos destes serviços.

Crédito, Cortesia de Kristina Cahak

O que dizem as famílias

Algumas ações são movidas pelos próprios jovens usuários, outras por seus familiares.

Em vários dos casos, centenas de processos individuais foram consolidados em ações coletivas em tribunais federais e estaduais.

Há casos de crianças que tiraram a própria vida depois de sofrer bullying nas redes ou ver posts que normalizam e encorajam o suicídio.

Outras morreram após “desafios” online, entre eles um jogo que envolve asfixia, ou por overdoses de drogas supostamente obtidas por meio das plataformas.

Nem todos os casos envolvem mortes. Algumas crianças foram vítimas de predadores sexuais, outras enfrentam problemas como distúrbios alimentares, depressão e ansiedade.

“As principais alegações são de que as plataformas foram projetadas para serem viciantes para crianças”, diz o advogado Matthew Bergman, fundador do Social Media Victims Law Center (Centro Jurídico para Vítimas de Mídias Sociais), que representa 2,5 mil clientes em processos do tipo.

As ações argumentam que as empresas expõem conscientemente crianças e adolescentes a conteúdos e produtos prejudiciais.

Também afirmam que a dependência que as redes causam não ocorre por acaso, e sim de forma intencional, já que foram projetadas para um “uso compulsivo e excessivo”.

“Inspiradas em técnicas comportamentais e neurobiológicas usadas em máquinas caça-níqueis e exploradas pela indústria do fumo, (as empresas) incorporaram deliberadamente em seus produtos uma série de recursos de design destinados a maximizar o envolvimento dos jovens para gerar receitas publicitárias”, diz uma ação coletiva movida por mais de 400 famílias.

“(As empresas) sabem que as crianças estão em um estágio de desenvolvimento que as deixa particularmente vulneráveis aos efeitos viciantes desses recursos. Mesmo assim, miram (seus esforços) nas crianças, em busca de lucro.”

Morgan (à direita) com a mãe, Kristina, a irmã, Jamie, e o irmão, Alex

Crédito, Cortesia de Kristina Cahak

Outras acusações são de que as empresas sabiam que seus produtos poderiam causar danos aos jovens, mas não alertaram sobre o risco ou forneceram instruções sobre uso seguro, e que os controles parentais e de verificação de idade são ineficazes.

Há ainda alegações de que alguns recursos nas redes promovem comparações negativas sobre aparência e de que as redes “facilitam a disseminação de material com abuso sexual e exploração de crianças”.

“Os defeitos variam dependendo da plataforma, mas todas exploram crianças e adolescentes”, dizem as famílias em uma das ações coletivas.

Os processos são parte de uma onda de ações judiciais contra essas empresas nos Estados Unidos.

Há também diversas ações movidas por mais de 40 Estados, mais de 140 distritos escolares e sistemas hospitalares em todo o país com acusações semelhantes.

As respostas das empresas

“As alegações simplesmente não são verdadeiras”, diz a porta-voz do Google, Ivy Choi, à BBC News Brasil.

Choi afirma ainda que garantir aos jovens uma experiência segura e saudável sempre foi um elemento “fundamental”.

“Em colaboração com especialistas em juventude, saúde mental e parentalidade, construímos serviços e políticas para proporcionar aos jovens experiências adequadas à idade, e aos pais, controles robustos”, diz a porta-voz.

Por sua vez, a Snap afirmou em nota à BBC News Brasil que “o Snapchat foi intencionalmente projetado para ser diferente das mídias sociais tradicionais, com foco em ajudar os snapchatters (usuários) a se comunicarem com seus amigos próximos”.

A empresa apontou como exemplo disso o fato de, ao abrir, o aplicativo direcionar o usuário para uma câmera, “em vez de um feed de conteúdo que incentiva a navegação passiva”, e que a plataforma não tem curtidas ou comentários públicos.

A Snap destacou ainda que “a segurança e bem-estar de sua comunidade são nossa principal prioridade”.

O TikTok disse em nota que a empresa tem mecanismo “pioneiros” para proteção de jovens, entre eles um limite de tempo de tela automático de 60 minutos para menores de 18 anos e controles parentais para contas de adolescentes, além de ter lançado uma cartilha para pais abordarem temas ligados à segurança digital com jovens.

“Continuaremos trabalhando para manter nossa comunidade segura ao enfrentar estes desafios que são comuns à toda indústria”, disse a rede social.

Em resposta às alegações, a Meta compartilhou um sumário sobre seu trabalho para “ajudar a proporcionar experiências seguras” aos jovens, salientando que tem “cerca de 40 mil profissionais que trabalham em áreas ligadas à segurança” e investiu “mais de US$ 20 bilhões [R$ 100 bilhões] desde 2016”.

A empresa disse que, nos últimos oito anos, desenvolveu mais de 30 ferramentas e recursos, incluindo controles que permitem aos pais definir limites para adolescentes usarem seus serviços, ver quem os filhos estão seguindo e saber se denunciaram alguém que pode estar lhes intimidando.

As ações no Congresso americano

O documento da Meta cita o testemunho de seu cofundador e presidente, Mark Zuckerberg, ao Comitê Judiciário do Senado americano, em janeiro.

A audiência, para investigar a exploração sexual de crianças online, reuniu os executivos que lideram cinco empresas, entre eles Evan Spiegel, da Snap, e Shou Zi Chew, do TikTok.

Senadores democratas e republicanos, geralmente em lados opostos, se uniram ao criticar os executivos por não fazerem o suficiente para proteger crianças, ignorarem “deliberadamente” conteúdo prejudicial em suas plataformas e priorizarem lucro em vez do bem-estar dos jovens usuários.

Também estavam presentes pais e mães cujos filhos morreram ou sofreram exploração sexual, abusos e outros danos nessas plataformas.

Em determinado momento, Zuckerberg chegou a se dirigir diretamente a essas famílias. “Sinto muito por tudo que vocês passaram”, disse ele.

“É por isso que investimos tanto e que continuaremos a ter iniciativas líderes na indústria para garantir que ninguém tenha que passar pelo que suas famílias sofreram.”

Spiegel, questionado pelos senadores sobre venda de drogas no Snapchat, também falou às famílias, várias das quais estão processando sua empresa após perderem os filhos por overdose de drogas supostamente obtidas na plataforma.

“Lamento muito que não tenhamos conseguido evitar essas tragédias”, disse o presidente da Snap.

“Trabalhamos muito para bloquear todos os termos de pesquisa relacionados a drogas em nossa plataforma.”

O foco do Congresso americano nos impactos das redes sociais sobre as crianças aumentou a partir de 2021, quando uma ex-funcionária do Facebook vazou documentos que mostravam que a empresa sabia dos possíveis efeitos negativos de seus produtos sobre jovens.

Um dos objetivos da audiência era aumentar o apoio a vários projetos de lei para proteger crianças na internet.

Apesar de esforços bipartidários, essas propostas enfrentam resistências para serem aprovadas, e tentativas anteriores de regular as gigantes de tecnologia fracassaram.

Diante das dificuldades para aprovar uma legislação federal, diversos Estados adotaram leis próprias para aumentar as proteções aos jovens nas redes e reforçar o escrutínio das práticas de segurança das empresas.

Muitas dessas iniciativas estão sendo contestadas na Justiça pelas empresas.

Um dos argumentos das empresas é o de que essas leis supostamente contradizem umas às outras, e o ideal seria uma legislação federal que estabeleça o mesmo padrão para todo o país.

Além disso, alguns grupos de defesa de direitos civis temem que essas leis interfiram na liberdade de expressão.

Estratégias e obstáculos

Um dos obstáculos em processos contra redes sociais nos Estados Unidos é a seção 230 da lei federal que rege o setor de comunicações, aprovada em 1996, antes da popularização das plataformas.

Políticos democratas e republicanos já tentaram revogar ou revisar a seção, sem sucesso.

A seção 230 isenta as redes de responsabilidade sobre o que é publicado por terceiros, dificultando processos que alegam danos sofridos por usuários nas plataformas.

Com isso, muitas ações são descartadas antes mesmo de ir a julgamento.

Os processos atuais apostam em um argumento diferente: de que os danos alegados não resultam de postagens de terceiros, mas sim do fato de as plataformas serem um produto que tem “defeitos”.

“Nós nos concentramos no design defeituoso dessas plataformas”, diz Bergman.

“E no fato de que foram concebidas para serem viciantes e não têm características básicas de segurança que, se implementadas, as tornariam 80% ou 90% mais seguras do que são hoje.”

Assim, as empresas poderiam ser em tese responsabilizadas por negligência, ao não cumprir seu dever de projetar produtos seguros e alertar os usuários sobre defeitos.

Bergman diz que o simples fato de as empresas estarem sendo questionadas judicialmente já é importante, independentemente do resultado.

“Os executivos terão de testemunhar sob juramento e explicar como lucram com plataformas que não permitem que seus próprios filhos usem”, afirma.

Bergman fundou o Social Media Victims Law Center em 2021, depois décadas representando pessoas prejudicadas por exposição a amianto, em processos contra empresas por esconderem a ligação do produto com casos de câncer.

Ele conta que uma das motivações para mudar sua atuação foram as revelações feitas pela ex-funcionária do Facebook naquele ano.

“Queria não só assegurar compensação para as vítimas, mas impedir que outros fossem vitimados”, afirma.

Bergman diz que as mesmas características nos casos envolvendo amianto se aplicam às redes sociais.

“Exceto que o nível de má conduta corporativa que vejo nas redes sociais faz com que as empresas de amianto pareçam meninos de coral em comparação.”

Os julgamentos dos primeiros casos representados por Bergman só estão previstos para o final do próximo ano, e ele diz que há um longo caminho pela frente.

Mas o advogado ressalta a determinação das famílias em levar os casos adiante e evitar que outros passem pelo mesmo sofrimento.

Kristina diz que o suicídio de Morgan a inspirou a lutar para ajudar outras famílias.

Ela afirma que muita coisa mudou desde a morte da filha, há quase dez anos, e que hoje há maior conscientização sobre problemas de saúde mental entre jovens e os potenciais riscos das redes sociais.

“Os pais precisam estar cientes desses perigos. Mesmo que pensem saber o que seus filhos estão fazendo, provavelmente não sabem.”

*Caso você seja ou conheça alguém que apresente sinais de alerta relacionados ao suicídio, confira alguns locais para pedir ajuda:

– O Centro de Valorização à Vida (CVV), por meio do telefone 188, oferece atendimento gratuito 24h por dia; há também a opção de conversa por chat, e-mail e busca por postos de atendimento ao redor do Brasil;

– Em casos de emergência, outra recomendação de especialistas é ligar para os Bombeiros (telefone 193) ou para a Polícia Militar (telefone 190);

– Outra opção é ligar para o SAMU, pelo telefone 192;

– Na rede pública local, é possível buscar ajuda também nos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), em Unidades Básicas de Saúde (UBS) e Unidades de Pronto Atendimento (UPA) 24h;

– Confira também o Mapa da Saúde Mental, que ajuda a encontrar atendimento em saúde mental gratuito em todo o Brasil.

Paternidade: as perguntas ouvidas por pais que cuidam dos filhos sem uma mulher por perto
2024-04-18

Crédito, Getty Images

  • Author, Laís Alegretti
  • Role, Da BBC News Brasil em Londres
  • 18 abril 2024

“Não sou pai solo, muito menos viúvo”, esclarece um influenciador em um vídeo que viralizou nas redes sociais.

O pai de primeira viagem — como ele se define — diz que, ao compartilhar nas redes sociais a rotina de cuidados com a filha bebê, costuma receber questionamentos sobre o paradeiro da esposa.

Inclusive perguntas sobre se ela teria falecido.

“Fico tentando entender o que se passa na cabeça dessa galera para achar mais fácil minha esposa ter arrastado para cima [gíria que significa morrer] e eu ser viúvo do que eu simplesmente ser um pai presente”, diz o influenciador no vídeo.

O que explica o estranhamento que ainda pode causar a imagem de um pai cuidando de uma criança?

“Isso quebra uma expectativa de cuidado que está generificada na nossa época – ou seja, a gente entende que o cuidado é feito por mulheres. E não só dos filhos, mas o cuidado em geral: Quem cuida dos mais velhos? Quem são as enfermeiras?”, disse Iaconelli à BBC News Brasil.

“Se você vê um homem fazendo essa função, já começa a tentar justificar esse acontecimento não como uma coisa natural, uma possibilidade, uma escolha, mas como fruto da ausência de uma mulher.”

A psicanalista exemplica que, diante dessa situação vista como não natural, surgem pensamentos como “um homem cuidador é um homem para quem faltou uma mulher — porque ele é gay ou porque é viúvo”, ou “sobrou para ele uma criança que deveria estar sob os cuidados principais de uma mulher”.

O que Iaconelli descreve é também o que o naturólogo Tiago Koch, de 41 anos, pai de Nalu (2 anos) e de Iara (7 anos), percebe no dia a dia.

Quando é o único adulto com as filhas, ele relata as duas reações mais comuns.

“Ou é ‘nossa, que incrível’ por eu estar ali fazendo coisas normais, ou ‘por que esse cara tá sozinho com essas crianças?'”, relata.

“Se você não está acompanhado por uma mulher, você não sabe, ou você vai deixar algo incompleto, ou mal feito.”

Ele lembra de uma manhã com a filha no caixa da padaria.

“A Iara pirou que queria um chocolate 8h da manhã e eu não queria dar um doce naquela hora. Era uma criança sendo criança: se jogou no chão, fez ali o que é esperado de uma criança de 4 anos frustrada.”

“Aí a senhora que estava me atendendo começou a ficar incomodada e questionando por que eu não daria chocolate. ‘Você tá sozinho?’. Eu a via olhando pra mim e procurando outra pessoa: ‘Esse cara tá sozinho com essa criança?’. Eu me senti muito desqualificado, deslegitimado”, diz.

Tiago, que dá cursos sobre paternidade (focados no período de gestação, parto e puerpério) por meio do projeto Homem Paterno, também relata julgamentos por passar mais tempo em casa do que a esposa.

“Vejo muito, na prática, esse cuidado muito relacionado ao feminino, como se fosse algo exclusivamente praticado por mulheres. Então, se um homem está fazendo isso, é considerado menos homem. Se você é dono de casa, por exemplo, que tipo de homem é você? Eu já recebi muitos questionamentos porque passo muito mais tempo em casa”, diz.

Crédito, Arquivo pessoal

Tiago considera que vivemos um “momento de transição de padrões e de questionamentos sobre a figura paterna padrão, que vem de gerações”.

Ao mesmo tempo, alerta para uma possível “falsa sensação que as coisas estão melhorando”.

“Nesse movimento de discussão de paternidades conscientes, a gente está ainda muito mais uma fase de conscientização do que de ação. (…) Mais do que falar, do que postar, a gente está aplicando isso no nosso dia a dia? A gente quer mudar?”, diz.

“Fazendo uma analogia, é a ideia do esquerdomacho — o cara que esteticamente é super bacana, mas, no dia a dia, o comportamento ainda está muito longe do desejado”, exemplifica.

“O cara coloca uma camisa e um sling, sai na rua, e já é o paizão. Um homem de sling na rua com um bebê é um evento: ‘Nossa, que pai incrível'”, afirma, referindo-se ao tecido ou espécie de mochila usado para carregar um bebê.

Ao mesmo tempo, ele, que conversa com homens sobre paternidade desde 2018, diz que se preocupa com os pais que “estão perdidos neste limbo”, que ele descreve como “o cara que está tentando de fato”, mas é “sempre desqualificado ou invalidado”.

“Existe uma urgência, principalmente vinda das mulheres — que são quem mais sofre com essa negligência paterna de séculos — , reivindicando mais, intolerantes com o que antes era tolerável. Então muitos homens, e eu me incluo nisso também, porque faz parte do meu processo, se deparam com esse cenário: uma urgência muito grande de uma transformação muito rápida.”

Em outro momento da conversa, Tiago aponta que “falta muito para os pais se reconhecerem capazes de cuidar”.

“Sou homem, me reconheço como homem e o cuidado faz parte da minha masculinidade e paternidade. A principal bandeira que levanto é de que precisamos nos reconhecer e afirmar nossas masculinidades e paternidades através do cuidado. Enquanto isso não acontecer, as coisas não vão mudar.”

‘Abrir mão do prestígio de cuidar’

Vera Iaconelli destaca que “o discurso machista e maternalista está na boca de homens e mulheres”.

Diz que também está nas mãos das mulheres reivindicar uma condição que permita “delegar de uma forma mais equânime a tarefa de cuidados, abrindo mão também do prestígio que cuidar dá.”

Ela reconhece que abrir mão desse prestígio pode ser “muito difícil” — mas considera que há “mais alívio do que custo” para as mulheres ao deixarem de ser as grandes “detentoras do saber sobre o cuidado”.

Iaconelli diz que há um paradoxo aí.

“A tarefa do cuidado é desprestigiada porque é a menos remunerada, a menos valorizada da nossa sociedade, mas ao mesmo tempo ela serve, paradoxalmente, como um lugar de prestígio para as mulheres, já que se supõe que só elas sabem fazer”, diz.

“Então a gente tem uma contradição, que faz com que elas sofram nessa posição de exclusividade, mas, ao mesmo tempo, tenham medo de abrir mão de um dos poucos lugares de reconhecimento.”

Do jeito que a sociedade está organizada hoje, é comum que um homem que cuida de uma criança receba elogios ou apoio, diz.

“E, quando uma mulher está cuidando de uma criança, ela não está fazendo nada além da obrigação dela e não tem que reclamar porque essa é a função dela no mundo”, afirma, reproduzindo o senso comum sobre o papel das mulheres na maternidade.

“Mesmo uma mãe solo que foi abandonada pelo marido — que não é solo porque quis — é vista como alguém que escolheu mal o pai do filho. Na esfera do cuidado, o céu é o limite em termos de idealização do que uma mulher deve fazer e ser.”

Vera Iaconelli, uma mulher branca, com cabelo grisalho na altura do queixo, olha para a câmera

Crédito, Marlos Bakker/Divulgação

Dois pais

E quando a configuração da família não tem uma mulher cuidadora?

A BBC News Brasil conversou com o casal Carlos Ruiz, de 37 anos, e Lucas Monteiro, de 32 anos, responsáveis pelo perfil “pais de 3”, onde compartilham vídeos da família.

Eles adotaram, em 2020, três irmãos: Kawã (na época com 12), Edgar (então com 9 anos) e a caçula, Ketlin, que chegou à família aos 5 anos.

Carlos, que inicialmente usava as redes sociais para compartilhar conteúdos como professor, conta que, assim que passou a dividir momentos da rotina com as crianças, veio a pergunta: “Onde está a mãe’?”.

“Foram questionamentos tanto da questão racial, quanto da busca pela mãe”, complementou Lucas, em referência ao fato de as crianças serem negras e os pais, brancos.

Carlos e Lucas, dois homens brancos, e os filhos do casal, três crianças negras

Crédito, Arquivo Pessoal

Sem uma mulher cuidadora na casa, Lucas e Carlos contam que a questão seguinte virou a busca, por parte dos seguidores, de supostos traços de uma “figura feminina” no casal.

“Não precisa ter a figura feminina ou tentar identificar dentro de nós [uma figura feminina] para esse tipo de trabalho, que é de quem tem casa e família”, diz Carlos.

Lucas complementa: “Pra gente, é uma questão normal, como pais, a gente cuidar, ao máximo, dos nossos filhos. A gente vê que infelizmente não é essa a realidade.”

‘Falsa suposição’

Grande parte dos questionamentos, segundo o casal, aparece quando eles compartilham cuidados como com o cabelo da filha.

“Parece que não pode um pai ser carinhoso, não pode ser cuidadoso, cuidar de cabelo”, diz Carlos.

“Existe essa noção de que homem não consegue, de jeito nenhum, cuidar de uma menina, e que as mulheres conseguem cuidar de meninos e meninas. A gente pesquisa, estuda, pergunta para nossas mães”, conta Lucas.

Iaconelli afirma que, em geral, há uma “falsa suposição” de que só a mulher sabe cuidar, seja de homens ou de mulheres, enquanto os homens não saberiam cuidar nem deles mesmos, nem de homens, nem de mulheres.

“É uma cortina de fumaça em torno da grande questão: humanos cuidam de humanos, independentemente do gênero, mas a esfera de cuidado está inferiorizada, do lado das mulheres. E tudo que sai disso choca porque subverte um jogo de poder”, diz a psicanalista.

Lucas relata sua percepção na diferença de julgamento pela sociedade em relação a pais gays e hétero.

“Os pais hétero normalmente conseguem um posto maior, de ‘nossa, ele está fazendo muito mais do que a obrigação dele’. […] Um pai hétero cuidando enquanto a mãe está trabalhando é muito mais valorizado do que a gente, que tem uma parte da sociedade que vai minimizar por não ter a figura materna.”

Para Iaconelli, “a fantasia de que, para criar meninos e meninas, precisa ter um homem e uma mulher, faz supor que essas crianças não terão acesso a outras pessoas de outros gêneros no mundo”.

“Meninas filhas de dois homens têm mil referências de mulheres – dentro e fora da família”, diz a psicanalista.

Licença-paternidade

Iaconelli diz que a licença-paternidade vigente no Brasil, de cinco dias, “subestima a importância e a necessidade do papel do pai” e “superestima as possibilidades das mulheres de darem conta de tudo sozinhas”.

Ao mesmo tempo, “revela o nosso descaso com as próximas gerações, na medida em que faz crer que uma pessoa poderia cuidar de um recém-nascido sozinha”, diz.

“Há uma intenção nefasta de desonerar o Estado, os homens – e as mulheres que se virem com o impossível.”

Pesquisa Datafolha divulgada neste mês aponta que, para 69% dos brasileiros, as mulheres devem ser as principais responsáveis por cuidar de filhos recém-nascidos.

Ao mesmo tempo, 67% acham que homens e mulheres deveriam ter direito ao mesmo período de licença do trabalho para cuidar do bebê.

Tiago Koch diz que cinco dias “não é nada”.

“Se passa por uma cesariana e filha fica na UTI, volto para o trabalho e nem vi minha filha. Ouvi vários relatos de ‘tive que começar a trabalhar e não vi minha filha'”, afirma.

Além da regra geral de licença-paternidade no Brasil de cinco dias, as empresas filiadas ao Programa Empresa Cidadã concedem mais 15 dias, totalizando 20 dias de licença-paternidade. Em troca, recebem benefícios fiscais da Receita Federal.

Agora, a expectativa é que o tema seja discutido por parlamentares nos próximos meses.

Em entrevista à BBC News Brasil, o diretor do escritório da Organização Internacional do Trabalho (OIT) para o Brasil, Vinicius Pinheiro, disse que a licença-paternidade no Brasil é uma regra “limitada” e a revisão desse prazo previsto na Constituição há 35 anos é “mais urgente do que nunca”.

A OIT aponta que, embora os direitos à licença paternidade estejam aumentando no mundo, a duração média da licença para os pais (9 dias) é mais de 4 meses (16,7 semanas) menor que a licença-maternidade média (18 semanas).

Em entrevista concedida em janeiro à BBC News Brasil, o psiquiatra da infância e adolescência Guilherme Polanczyk, professor da Universidade de São Paulo (USP), disse que a participação dos dois cuidadores nos cuidados de um bebê “é um início muito melhor, de muito mais qualidade, e que deve ter repercussões ao longo de todo o tempo para a relação.” (Leia mais nesta reportagem)

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O significado de “meu filho vai ter nome de santo” no clássico “Pais e Filhos” da Legião
2024-04-25

A música “Pais e Filhos” da Legião Urbana é uma daquelas que a letra apresenta camadas muito mais profundas do que a primeira análise pode desvendar. O hit trata de temas fortes como suicídio e a relação entre pais e filhos – que pode ser problemática.

Pouco antes do refrão, Renato Russo canta uma das frases mais enigmáticas da canção: “meu filho vai ter nome de santo / quero o nome mais bonito”. Mas o que será que isso significa?

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Foto: Divulgação

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Analisando o contexto da música, Russo escreve sobre pontos de conexão entre pais e filhos e cenas comuns como ter medo de escuro e colocar a criança para dormir. Uma dessas cenas que também são recorrentes é quando os pais escolhem o nome do futuro filho.

“Essa é outra frase que falamos bastante. Que quando o filho nascer, vai ter nome de santo; ou seja, o nome mais bonito. São os pais escolhendo o nome para os filhos. É mais um exemplo da relação dos pais com os filhos. Só que dessa vez é antes até da criança nascer. O Renato fala sobre essa relação. Isso de colocar nome bíblico”, diz o canal Musicália.

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Já o Psicanálise Clínica entende que é o próprio personagem que narra a música que agora imagina sobre como será ter um filho e não ele se lembrando da criança que cresceu e infelizmente tirou a própria vida “Após a fase de infância e adolescência explícitas na música, vem a idade adulta. Nesta fase, a personagem da música já pensa em ter filhos e pensa em seus nomes”.

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Por fim, o site Versos e Prosas faz uma análise polêmica desse trecho de “Pais e Filhos” dizendo que essa frase fala sobre Giuliano Manfredini, que é o filho adotivo de Renato Russo.

“Pais e Filhos ainda inclui outras passagens falando sobre a relação entre pais e filhos com uma melodia muito bem produzida. Em relação aos versos ‘meu filho vai ter nome de santo’, essa é uma menção direta ao próprio filho de Renato, Giuliano Manfredini, que residia com os seus avós (os pais de Renato), em Brasília”.

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O problema dessa interpretação é que não existe um santo com o nome Giuliano. Pelo menos não um conhecido a ponto de na cultura popular ganhar o título de “nome de santo”. Existe o São Juliano, padroeiro dos viajantes na tradição católica.

“Aqui é a grande mensagem da música. Ele está contando um enredo que começa com o fato de a menina ter se suicidado no começo da letra. Depois, ele fala sobre vários momentos da relação dos pais com os filhos. No refrão, surge a mensagem: ‘É preciso amar as pessoas como se não houvesse amanha’. Só que você não sabe se vai ter o amanhã. Por isso é preciso hoje amar quem está próximo. Os filhos precisam amar os pais e os pais amar os filhos, já que não se sabe o amanhã. A menina se suicidou. Eles deviam ter se amado mais. É uma mensagem de muito amor”.

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